Mariana Ricco, de família tradicional em Corumbá Mato Grosso do Sul, cidade que fica à 426 km da capital Campo Grande, viu sua família ser dizimada pela covid-19 sem nem ao menos contarem com a “sorte” da vacina.

Destino diferente, nesta semana Mariana e sua mãe receberam a “sorte” da agulha e seringa. Seguindo o exemplo de Silvia, as duas também homenagearam os nomes daqueles entes queridos mortos pelo vírus. Daquela ocasião, o ato aparentemente simples foi compartilhado nas redes sociais, uma forma de lembrar os mais de 530 mil mortos pela doença, simbolizar a dor, e – ao mesmo tempo – transformar o luto em luta: de que só a vacinação vai nos tirar dessa.

“Os dias, os meses, possuem um significado diferente para mim. Pois se a vacinação tivesse chegado a minha família um pouco mais cedo, provavelmente ainda estaríamos todos juntos. Isto é, meu irmão, que só tem 11 anos, cresceria vendo o pai vivo. Entretanto, minha família está destruída, e por uma doença que já tem solução”, confirma Mariana.
“Estamos aprendendo a sobreviver. Tem sido momentos difíceis, afinal foram perdas de pessoas tão queridas e em sequência, cada uma delas completamente devastadoras para todos nós”.
Todas elas no período de 1 mês. Eliane Assad Arguello, tia de Mariana, foi a primeira das vítimas. “E justo na data da missa de 7° dia recebemos a notícia de que seu esposo Osmar também não resistiu. Meus primos, que enterraram seus pais em menos de uma semana, ficaram desolados”, relembra. De forma parecida, a corumbaense também iria experimentar de perto o gostinho amargo dessa dor ao ver o pai falecer do vírus.

“Minha mãe Silvana Ricco foi a primeira a contrair a covid no nosso núcleo familiar mais interno. Na sequência, meu pai Luis Daniel, minha avó Geni e suas cuidadoras. Até meu irmão mais novo contraiu”, conta. Em casa, Mariana foi a única que não pegou covid.
Luis começou a ter sério comprometimento pulmonar. Sua primeira tomografia apresentou 40% do pulmão tomado pelo vírus e, 2 dias depois, já estava em 60%. Quando ele e sua esposa Silvana foram transferidos no dia 14 de maio para o Hospital Albert Einstein, em Goiânia, ambos tiveram uma piora no quadro clínico. “Foram momentos desesperadores”, revela Mariana.


No dia 17 daquele mês, um outro tio – Nelson – não resistiu ao vírus. Dois dias depois, a mãe de Mari teve alta, enquanto que seu pai foi direto para a entubação. Tristemente, as mortes não demoraram a acontecer. “Primeiro minha avó materna, depois meu avô paterno e, por último, depois de muita luta contra as complicações da doença, meu pai descansou”, relata.
“A rotina já não é a mesma, mas estamos no processo de transformar nossas dores em luta e esperança, para que outras famílias também não passem por isso”.
Quando O Pantaneiro escreveu a reportagem com sua tia Silvia, também havia entrado em contato com a sobrinha. Naquela época, porém, a jovem não se sentia preparada para descrever o tamanho da dor que latejava no peito. A dor ainda continua, é claro, mas agora que teve a chance de receber o imunizante Mariana se encontra mais forte.


“Ver a vacina virar uma disputa ideológica, política, praticamente ‘partidária’, não só desrespeita a minha dor como ainda promove a destruição de vidas. Me entristeço demais vendo jovens da mesma idade que eu menosprezando a covid, fazendo aglomerações e participando de festas clandestinas. Às vezes, minha mãe questionava que deveria ser difícil eu, uma moça jovem e ativa, ficar presa em casa. Mas meu pensamento sempre foi: ‘vai passar. Isso é o mínimo que posso fazer pela segurança da minha família e de tantas outras’. O difícil agora foi “ver passar” minha família morrer às véspera da ‘cura’, sugere com relação à vacina.

Corrente do bem – Primeira a ser imunizada completamente, Silvia foi quem deu início à campanha #VacinaSim da família Arguello nas redes sociais. “Quando eu e minha mãe tivemos a oportunidade de nos vacinar nesta semana, seguimos o mesmo exemplo da minha tia. Do luto à luta! A vacina segue como a única fonte de esperança de que dias melhores virão”, garante a jovem.
Mariana finaliza dizendo que no momento tem vivido um dia de cada vez. “A dor é insuportável e a saudade de todo mundo é avassaladora. Deus tem sido meu maior companheiro. O que posso afirmar é que vou continuar a me cuidar como já fazia antes e conscientizar o máximo de pessoas que eu puder com essa trágica história, para que mais ninguém venha experimentar o que eu ando passando”.